quarta-feira, 30 de março de 2011

Lugares de Passagem de José Brás


"(...) Depois quem sou eu?


Um aldeão, que tendo um dia largado a burra e carroceca na imaginação ingénua da cidade, no meio caminho se quebrou, indeciso e perturbado. Dividido entre a dor no corte das raízes velhas e na falta que lhes sente, e o permanente esbravejar de novas, buscando novos alentos.


Terra de vinhas foi aquela onde nasci, Aldeia de homens nados do amor que se faz entre gentes e cepas.


Aldeia de mulheres-terra. De mulheres rasgando o ventre por parir machos e ao macho abrindo as pernas como terra que ao arado se abre e no ventre recebe os adubos da multiplicação. Mulheres que à terra dão os filhos mal-paridos.


E fui vento, ai fui chuva, fui sol, e nuvem, e riso, e choro...e esperança maior que o cume da colina que me acabava o mundo, ali tão perto. e fiz-me seiva, e bagos d'uva, e mosto, e vinho tinto, e vinho branco. Vinho acre, vinho doce, vinho-canga, vinho sonho!..."

José Brás in "Lugares de Passagem" - Chiado Editora