segunda-feira, 29 de março de 2010

Lavo as Mãos Como Pilatos

Se por todas as razões que desconheço, me encontrar paralisada quando chegar o momento de me dividir em duas, nada me espanta, pois já nada me resta, a não ser algumas gotas de suor morno, que me escorrem pela face rugosa e negra de um cansaço que me segue, desde que o mundo é mundo. Na terra, jaz morto um pedaço da minha fome, e já nada me pertence, sempre que olho o céu e o encontro acoplado a uma abóbada colorida pronta para me dar as boas vindas, e a quem se quiser encontrar comigo, para se inteirar de um mundo que só espera morrer para remissão dos seus pecados. Se por algum motivo, chegar até mim a abundância, tomarei nas minhas mãos as rédeas de um sonho acostumado a viajar no espaço, ocupando-me das coisas mais singelas que a vida tem.

Deus, foi raras vezes um companheiro fiel, pois depositou em mim toda a esperança de me poder sentir eu própria, o resgate de todas as manhãs e me redimir de todos os cansaços impostos por outra face de um mundo que espera e desespera por encontros finais. Mas em verdade me foi dito, que estes encontros nem sempre se assemelham a causas determinantes esventradas da terra e apadroadas por rostos cansados pelo movimento que a circunda. O efeito esvoaçante que vestiu o Homem e o depositou em terra firme, trouxe novas formas de pensar, construídas e edificadas a partir da Fonte, mas a terra não se conseguiu manter no seu movimento de rotação e desfez-se em pedaços, para que cada um deles, representasse a verdade, que tomada ou recebida, seria uma parte do nosso corpo aberto ao tratado do Universo

As águas das nascentes já irrigam os campos, e nas searas, o trigo desponta dourado como o sol do verão. Há um renascer das madrugadas, sempre que me fixar nesta era que me pertence, tanto quanto me pertenceu, aquele que se fez Homem-Deus no meio dos homens e das mulheres que o seguiram, e após, o vestiram de luto. As suas vestes eram de puro linho e a sua casa era de pura argamassa, e o meu corpo sofria por todas as noites que passavam, sem lhe poder dizer, que também aqui, morava alguém, e que apesar das vestes bordadas a ouro, havia um inflexão dos movimentos de um corpo, quase a morrer de sede. Na verdade, serão precisos registos próprios de ADN, capazes de humedecer os sentidos, e os adubar para a longa viagem que finalizará o todo universal do meu corpo, mas continuo lavando as minhas mãos, tal como Pilatos, naquele tempo em que os rios irrigavam as oliveiras, e as preparavam para os novos frutos que dariam luz ao novo mundo

(Foto Dolores Marques)

O painel de azulejos da foto é um revestimento de uma das paredes da Padaria Velha na Manutenção Militar em Lisboa)

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