sábado, 26 de setembro de 2009

Almas Penadas

(foto de minha autoria em Castro Daire)
Há neste silêncio uma voz apagada, mas continuo a ouvir os sons que me chegam do outro lado. Caminham já na minha direcção. Se me focar no ponto de onde vim, há a certeza de ser um silêncio guardado, que me segue num caminho inverso, contrariamente aquilo que fui no passado. Sou eu e tu quando nos olharmos no espelho, e conseguirmos tocar ao de leve na imagem reflectida. Aí ouviremos as nossas vozes mesmo que isentas de som ao encontro com outras que correm no tempo, e não param nunca de chegar. Ouço-as quando me deito sobre a noite, à espera de ouvir alguma esquecida de mim, num outro momento, em que sonhar era simplesmente me delimitar num universo restrito, de palavras mortas. São locais que se resguardam na penumbra da noite, até conseguirem encetar um movimento, onde os encontros são sempre o início antes do fim.

Por fim, não passamos todos de almas penadas, envoltas em quimeras de um tempo que nunca passa sem partir. Há neste caminho, vestes para remendar à chegada da luz. Se me quiserem seguir, terão que esquentar os lugares, sempre que os olhares se erguerem e formarem esferas obliquas que caibam na minha mão. O sol tem-se feito rogado e eu segui em frente sem olhar para trás. Sigo há já algum tempo o percurso da esfera armilar. Parti sem destino e sem esta vontade louca de me saciar num encontro mais que perdido nas pedras negras duma calçada. Os meus passos são agora mais firmes, porque te esqueci num beco qualquer. Esta cidade fantasma, que se alimenta de corpos que se querem nus, nas horas em que as estrelas baixam sobre o rio, traz-me ao colo há já muitos anos. Vi-te um dia com os olhos postos no céu, e sorriam como quem se vê a viajar no espaço. Trazias nas palmas das tuas mãos, uma marca que vem de muito longe, saciavas-me nas noites calmas, ornamentadas pelos rostos caídos em jeito de amar. Eram quase todos da mesma cor. Indiferentes e circunspectos, iam sempre em direcção ao ponto de onde brotava qualquer fonte de alimento á sua alma. Se é que tinham alma, estas almas penadas, que de tanto correr, já cansadas se vestiam de branco, para poderem ser vistas na sombra onde o fado é malandro a vaguear pelos cantos.

Não esqueço o dia em que me pegaste na mão e me mostraste um ritual que me conduziu ao teu refúgio. Foi quando concluímos que amar é ficar, e dançar é rodopiar sempre no mesmo círculo. Ouviam-se por lá, outras vozes dilatadas no tempo. Era o tempo em que o amor sofria pelas ruas da amargura. Agora, é canto relembrado em corpos debilitados, que se querem num tempo em que foram um só.

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