domingo, 27 de setembro de 2009

Cidade Fantasma

Os sons da noite trazem segredos que nunca ninguém ouviu. Sou uma privilegiada nesta noite inquieta, e enamorada das vozes e deste ruído infernal. É a passagem das horas na incerteza de alcançar o próximo apeadeiro. O ruído estende-se na berma da estrada, e o vento suave deixa um fio muito ligeiro na minha pele. Do meu cabelo negro, solta-se um brilho clareador nesta madrugada. É da densa névoa que paira sobre o rio. Remendei a estrada para poder passar livre e alegremente sem ter que pedir licença aos transeuntes, mas mesmo assim, não vi que essa mesma estrada, já tinha sido tocada por momentos que já não sabem o que são, nem são o que sabem. Deverão ser só almas que vagueiam sem destino.

Há um uma voz solicita em silêncio. Nessa direcção uma outra a alcança numa fracção de segundos, e há também olhares que se trocam em cumplicidades loucas entregues à brisa que passa. Assim me detenho perante este olhar que se foca no meu rosto, sem deixar de passar pelo meu cabelo. Se ele tiver a cor do meu olhar decerto será uma cor neutra, quase a tocar no vazio. Assim estão os meus olhos indiferentes ao movimento da cidade. Há nesta mudez uma calma inventada, porque ao longe, ouve-se o ruído dos carros que passam - audível mesmo estando eu neste estado semi-anestesiado, pelo embate violento a que me sujeitei, nesta suave brisa da madrugada. Ao longe, os barcos anunciam largada, e as luzes deixam na corrente um colorido enfeitiçado. Sobre os meus ombros há um toque gelado que é coberto com o rescaldo da noite. Maciez quente a exalar-me os sentidos. Etéreos gestos tão firmes e delicados.

(Perdi-me no teu sorriso e nos sinais de brancura com que pintas as cores da noite)

Caminho sem destino, mas acordado o sol, terei que adormecer no seu regaço. Guardo o teu olhar no meu corpo, registei o teu sorriso e o carrossel que inventaste para me mostrar as voltas que demos, ainda anda às voltas sem parar. Mesmo que eu o queira fazer rodar no sentido contrário aos ponteiros do relógio, é impossível. Tu estás lá para me travar e me ensinar como se habita um olhar esquecido numa cidade fantasma.

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